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A Alma Boa de Setsuan

Artigo: GuiaSP - Denise Fraga vive papel duplo em peça de Bertolt Brecht

A Alma Boa de Setsuan

Denise Fraga vive papel duplo em peça de Bertolt Brecht


Guilherme Balza


Estreou em 2008 - Um grande e decisivo desafio é lançado a todos que levam ao palco um texto de Bertolt Brecht: de que forma encenar a obra do alemão de modo a comunicar-se com o público e, ainda, fazer com que este compreenda melhor as contradições que movem o capitalismo e que inevitavelmente percorrem a existência dos indivíduos que nele tentam sobreviver.

Na peça A Alma Boa de Setsuan, escrita por Brecht em 1941, a atriz Denise Fraga se aliou ao diretor Marco Antonio Braz e a mais dez atores nessa difícil tarefa, que torna-se ainda mais complicada considerado o fato de a peça – cuja tônica vital é a crítica mordaz ao poder do Capital – ser encenada no Teatro Renaissance, um hotel cinco estrelas, com ingressos de R$ 60,00 a R$ 80,00.

A parábola se desenvolve em uma província chinesa, numa época em que a miséria atingia bolsos, barrigas e mentes. Três Deuses, transfigurados por Braz na Santíssima Trindade e interpretados por Ary França, descem à Terra em busca de uma alma boa.

Depois de muita procura, encontram Chen Tê, uma prostituta que lhes dá abrigo. Certos de que a missão findara-se, os Deuses compensam a meretriz com uma quantia em dinheiro, que permite à moça abrir seu próprio negócio.

Não demora muito e os miseráveis da região começam a abusar da generosidade de Chen Tê, que, diante da incapacidade de dizer não, traveste-se em Chui Ta, um primo que teria vindo de longe para cuidar do seu comércio. Este, em total oposição a Chen Tê, trata os próximos sem concessões.

"Chen Tê é boa. Ela acredita numa sociedade auto-gerida e na possibilidade de vivermos em harmonia. A palavra bondade foi transfigurada no nosso tempo. Ser bom virou quase sinônimo de ser bobo", afirma Fraga, que interpretará os dois papéis.

Um acontecimento, porém, põe em xeque o plano de Chen Tê: a moça engravida e para que as pessoas não descubram a farsa armada, somente Chui Ta passa a aparecer. Cresce, então, o boato de que o primo teria seqüestrado a prima para ficar com as suas riquezas. A fábula termina com o julgamento de Chui Ta.




"Essa peça funciona metaforicamente para diversas situações, que vão do macro ao microcosmo. Podemos individualizar, dar uma explicação psicanalítica para dizer que cada um possui dentro de si uma Chen Tê e um Chui Tá e que o movimento da vida é gerado por essa dualidade (que talvez passamos a vida para entendê-lo), ou então podemos transferir essa relação para o nível do Estado, da sociedade", conta o diretor.

Tratamento épico

O teatro épico-dialético desenvolvido por Brecht sustenta-se em algumas prerrogativas, dentre as quais há de se destacar a necessidade de causar no público o efeito de distanciamento com relação à encenação, ou seja, uma quebra da ilusão que permita ao espectador se posicionar diante das questões colocadas em cena.

Pode se chegar a tal efeito utilizando procedimentos narrativos (um narrador dirigindo-se à platéia), didáticos (presentes, em Brecht, notadamente nas canções) e cenográficos (com os atores o tempo inteiro em cena, realizando, inclusive, as trocas de personagem aos olhos do público), todos eles trabalhados sob uma perspectiva marxista e histórica da sociedade.

Para Braz, que adaptou o texto em parceria com Marcos Cesana, que também atua na montagem, foi necessário realizar uma espécie de "antropofagia" com a obra do autor: "Brecht talvez seja o autor mais moderno do teatro. Ele fez uma bricolagem dos clássicos em suas adaptações. Nós temos a pretensão de ter realizado, utilizando as ferramentas disponibilizadas no texto, o mesmo que ele fez com textos de Shakespeare, Molière, os quais ele reescrevia".

O diretor cortou trechos do texto em busca de uma comunicabilidade maior com o grande público: "Os acadêmicos brechtianos podem não perdoar o fato de termos retirado certos discursos que se tornariam prolixos e quase pedagógicos, politicamente falando. Sem eles a peça ganha em movimento, acelera sua dimensão épica, fica quase um procedimento cinematográfico. Brecht permite alguns saltos de tempo e mudanças na estrutura", completa.




Já Denise ressalta o caráter comunicativo do humor no teatro moderno: "Brecht era um artista de cabaré e gostava de divertir o público. A peça tem muito humor, embora este não esteja explícito. Eu acredito no humor como filosofia de vida e como possibilidade de comunicação", esclarece.

A atriz, ainda, solta um desabafo contra as rotulações genéricas, que inclusive fortaleceram a sua caracterização como atriz cômica: "Na vida não existe essa divisão comédia / drama. É uma pena que os jornais busquem essa classificação. A coisa mais deliciosa para o ator é justamente o fio tênue que existe entre comédia e drama".

Elenco: Denise Fraga, Ary França, Cláudia Mello, Joelson Medeiros, Maurício Marques, Fábio Herford, Jacqueline Obrigon, Marcos Cesana, Virgínia Buckowski, Maristela Chelala e João Bresser / Texto: Bertolt Brecht / Adaptação: Marco Antonio Braz e Marcos Cesana / Direção: Marco Antonio Braz / Cenografi e Direção de Arte: Márcio Medina / Assistência de Cenografia: Thereza Faria / Trilha Sonora: Théo Werneck / Iluminador: Wagner Freire / Figurinista: Verónica Julian / Visagista: Emi Sato / Comunicação visual : Rodolfo Rezende - Estúdio Tostex / Direção de Produção: Fernando Cardoso e Roberto Monteiro / Produtora: Silvia Rezende / Produção Nia Teatro: Clara Ramos / Co-produção: Mesa 2 Produções.

Fonte: - Psicologia Monitores

Flyer da peça

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Fotos: João Caldas

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